O Enigma Português: Uma Análise de Portugal e o Impacto da Imigração em 2025
Portugal sempre enfrentou grandes desafios económicos, condicionados pela sua posição geográfica periférica na Europa e pela industrialização tardia. Ao longo do século XX, o país não beneficiou dos grandes fluxos de investimento que impulsionaram muitas outras economias europeias após a Segunda Guerra Mundial. Este facto deve-se parcialmente a não termos participado ativamente no conflito e, por consequência, não termos sido envolvidos com na fase de reconstrução europeia subsequente. Além disso, Portugal também não desempenhou um papel central na Guerra Fria, o que nos manteve ainda mais à margem em termos de visibilidade e apoios externos. Sem um tecido industrial robusto, sem grandes empresas multinacionais, e escasso em recursos naturais como petróleo ou gás, Portugal acabou por construir uma economia predominantemente à base do turismo e dos serviços. Saltámos diretamente de um setor primário predominantemente agrícola para um setor terciário centrado em serviços, evitando em grande parte o setor secundário, que poderia ter criado uma indústria forte. Esta realidade tornou extremamente complicada a criação e distribuição sustentável de riqueza.
O Estado Social, Educação e o Desajuste do Mercado
Após o 25 de Abril de 1974, Portugal adotou um modelo de Estado Social que permitiu melhorias significativas ao nível da educação e saúde. O Sistema Nacional de Saúde, apesar das críticas, deveria mais vezes ser citado como motivo de orgulho nacional. Ainda assim, permanece um problema básico neste modelo: para distribuir riqueza, é preciso, antes de mais, criar essa riqueza, e é algo que temos de reconhecer que não somos particularmente bons a fazer Lol. A ausência de uma base industrial consistente, a incapacidade de exportar produtos de elevado valor acrescentado e um tecido empresarial constituído sobretudo por micro e pequenas empresas, aliado a um mercado interno limitado a apenas 10 milhões de habitantes, reduz o potencial de crescimento salarial e limita bastante a absorção de trabalhadores qualificados.
Um dos investimentos nacionais mais notáveis foi efetivamente o ensino superior, com o apoio estrutural conjunto da União Europeia. Este esforço tornou o acesso ao ensino universitário muito mais democrático. No entanto, esta aposta não foi acompanhada por uma estratégia de desenvolvimento do mercado de trabalho que absorvesse todos estes recém-formados altamente qualificados. Muitas empresas enfrentam restrições financeiras significativas e são frequentemente geridas por quadros sem formação adequada para reconhecer sequer a importância de recrutar pessoal especializado com boas qualificações. Este fenómeno limita drasticamente o mercado laboral e explica a nossa quase inexistente capacidade em investigação e desenvolvimento (R&D).
Neste ponto reside talvez a nossa maior falha estratégica: enquanto apostámos na massificação exagerada dos cursos universitários, negligenciámos o ensino técnico-profissional – crucial para criar quadros técnicos intermédios. Podemos olhar para a Alemanha que, com o seu forte setor industrial, apostou justamente na formação de técnicos qualificados que, mesmo sem um diploma académico, fazem hoje parte de uma classe média robusta, com poder de compra sólido e qualidade de vida. Em Portugal, foi criada uma cultura onde todos querem ser médicos, engenheiros ou advogados na expetativa de melhor potencial rendimento, o que gerou inevitavelmente um desajuste enorme no mercado de trabalho. Alguém consegue então explicar-me como pode um país onde falta investimento em investigação, onde as tecnologias chegam atrasadas, e o setor terciário está completamente saturado, e os salários são “nacionais” para custos de vida “globais”, conseguir algum crescimento económico relevante???
O Papel da Imigração na Economia Portuguesa
A recusa generalizada dos portugueses em aceitar empregos considerados socialmente menos prestigiantes (sobretudo em setores primário e secundário) criou uma lacuna que hoje é preenchida pelos trabalhadores imigrantes. Este fenómeno espelha a realidade dos nossos emigrantes que, há décadas, partiram para França ou Alemanha em busca de melhores condições, aceitando trabalhos que os habitantes locais recusavam. Perguntem, por exemplo, em França, quais são (mais no passado) os trabalhos estereótipos ligados aos portugueses; não terão surpresa em saber que dominávamos as obras, limpeza, construção civil e agricultura. Atualmente, os trabalhos que em Portugal têm uma conotação social mais baixa são frequentemente entregas em Glovo(s) e viagens de Uber(s) da vida. Assistimos então ao ciclo invertido: hoje são migrantes da Ásia, África e América Latina que executam funções essenciais nas áreas da restauração, turismo, construção civil, agricultura, enquanto exportamos jovens médicos, enfermeiros e engenheiros.
Grande parte destes trabalhadores estrangeiros enfrenta condições de trabalho profundamente precárias e muitos estão em situação irregular, exatamente como aconteceu com inúmeros emigrantes portugueses lá fora que enchiam os bairros de lata nas imediações de Paris na decata de 60. Contudo, estas pessoas são absolutamente essenciais para manter os custos produtivos “relativamente” baixos e garantir o funcionamento de setores-chave em Portugal. Portanto:
- Os portugueses querem bens e serviços de baixo custo.
- Mas não estão dispostos (e com razão), a trabalhar por salários baixos.
- As empresas não possuem capacidade financeira para pagar mais e recorrem, logicamente, a trabalhadores imigrantes.
- Resultado: descontentamento popular. (lol, isso)
Isto faz-me lembrar o Portugal durante o reinado de D. João V, quando Lisboa estava cheia de estrangeiros dispostos a trabalhar em trabalhos mais precários graças à prosperidade artificial gerada pelo ouro do Brasil.
A Aparição do Chega e o Discurso Anti-Imigração
Neste contexto tão particular de dificuldades económicas constantes e profundas transformações sociais, o Dr. André Ventura percebeu aqui uma clara oportunidade para unir uma parte significativa da população à volta de assuntos que fazem barulho e causam forte reação emocional. Aproveitando este cenário, criou um autêntico partido "Frankenstein", que não é claramente nem de esquerda nem de direita, dizendo aquilo que mais eleitores lhes trazem. Com algumas táticas de promoção populistas bastante manhosas, polémicas constantes e com alguns "percalços" evidentes na composição dos seus quadros, cujas qualificações ou experiência governativa deixam frequentemente algo a desejar. No fundo, criou o típico partido "pega tudo", como descrito na literatura política, vocacionado sobretudo para captar o descontentamento e a frustração social existentes.
Inicialmente, o partido concentrou-se na minoria cigana, mas percebeu rapidamente que havia um tema ainda mais forte e mobilizador - a imigração. O discurso do Ventura associa habilidosamente o aumento da imigração à insegurança, explorando a perceção pública generalizada de que existe um aumento claro da criminalidade, ainda que os números nem sempre corroborem completamente esta narrativa. No entanto, importa reconhecer que, historicamente, situações de imigração desregulada ou dificuldades de integração podem, efetivamente, provocar uma subida de incidências criminais ou comportamentos antissociais. É portanto compreensível que parte da população se sinta insegura ou alarmada e reivindique respostas políticas concretas.
Esta estratégia política é velha mas muito eficaz, de identificar um "inimigo comum" para agregar o descontentamento popular não é nada de novo, basta vermos um pouco a história. O Chega aproveita, então, de forma oportunista mas inteligente, a ansiedade social já instalada devido às transformações demográficas rápidas, à precariedade económica crescente e ao contexto global instável, oferecendo respostas e soluções simplistas (e muitas vezes superficiais) para problemas complexos. É, portanto, compreensível que para muitos eleitores o voto no Chega seja sobretudo uma maneira de protestar e expressar frustração contra o sistema atual, mais do que propriamente uma adesão a uma ideologia estruturada ou profunda.
Entre Realidade e Conveniência
É necessário reconhecermos que a crescente dependência de mão de obra imigrante em Portugal corresponde diretamente às escolhas económicas e sociais feitas no nosso país durante os últimos 50 anos e, mais especificamente em algumas más legislações dos últimos 15. Os portugueses beneficiam diariamente do trabalho dos imigrantes, quer na restauração, quer nas entregas, ou mesmo nos campos agrícolas. A conveniência que todos procuramos no preço baixo e na disponibilidade imediata de bens e serviços camufla, muitas vezes, a realidade incómoda mas evidente: sem imigração, muitas das nossas atividades económicas enfrentariam sérios riscos de colapso ou encarecimento radical, algo que se tornaria incomportável num contexto económico já altamente condicionado pelo panorama macroeconómico atual.
Está errado, colocar injustamente a culpa da situação económica presente nos imigrantes ou em certos grupos minoritários. Esta narrativa serve essencialmente para fugirmos à responsabilidade que todos nós, coletivamente enquanto sociedade temos relativamente às más decisões estruturais tomadas ao longo das últimas décadas, desde um pós-25 de Abril que não soube fomentar efetivamente uma economia forte baseada na criação de riqueza e inovação tecnológica, até ao nosso próprio sistema de ensino, que se revelou profundamente desalinhado das necessidades económicas reais do país.
O facto incontornável é que existe atualmente uma imigração relativamente descontrolada em Portugal, e que nos últimos dez anos os nossos governantes demonstraram pouca capacidade crítica ou visão estratégica sobre este assunto. Esta situação tem resultado, na prática, numa evidente desvalorização do preço do trabalho e num atraso significativo do crescimento económico nacional. Reconhecer isto não deveria depender de uma visão política de esquerda ou direita, simplesmente faz parte da realidade que observamos no terreno. Também convém lembrar que Portugal é um país pequeno, mas não é homogéneo: existem claras diferenças regionais, e os problemas do Algarve não são os mesmos de Lisboa ou de Bragança. É por isso importante, termos respeito e compreensão por aqueles que votam consoante os problemas reais que veem à sua janela diariamente.
Conclusão
A ascensão do Chega não é um fenómeno isolado, mas um sintoma de um profundo mal-estar social derivado de decisões passadas, amplificado pelo contexto europeu e mundial atual. A imigração não é a raiz dos problemas, mas sim um sintoma, frequentemente consequência direta dos nossos erros estruturais. É urgente assumirmos com lucidez este debate público, deixando de procurar bodes expiatórios e passando a focarmos em encontrar soluções económicas estruturais, valorizar o ensino técnico-profissional e promover políticas eficazes de coesão e integração social. A história demonstra claramente que os ciclos migratórios são inerentes ao desenvolvimento de qualquer sociedade e Portugal não é, certamente, uma exceção. Estudem, que só vos faz é bem.